segunda-feira, 22 de setembro de 2008

As imagens como meio e mediação no ensino de História

Anterior a minha formação em História, trabalhei durante oito anos com Design gráfico e com Fotografia, neste tempo construi muitas imagens que foram utilizadas para diferentes fins comerciais e artísticos. Todas elas, sem exceção, foram recortadas de um tempo e de um lugar, da mesma forma, em cada uma delas, houve uma intenção, um objetivo, uma idéia e uma significação. Por mais subjetiva que seja uma imagem, é inegável a existência de significados, é claro que não há um único modo de olhar para uma imagem e interpretá-la, assim como não há um único significado para a mesma imagem.

Ao olharmos atentamente para uma imagem, o nosso cérebro procura identificar o que está sendo visto e ao mesmo tempo procura alguma relação de sentido com o nosso conhecimento de mundo. Esta reação, geralmente, é um processo muito rápido em que procuramos significar a composição de todos os elementos figurativos e abstratos presentes no recorte selecionado (fotografia, pintura, gravura, entre outros). Quando não identificamos algum elemento desta composição, a nossa reação é a de estranhamento em relação a imagem. Este estranhamento pode ser favorável quando procuramos compreender a complexa rede de significados expressos pelos códigos das linguagens verbal e não-verbal encontrados e constantemente re-significados no tempo, no espaço e na cultura de cada formação social.

Nesse sentido, o diálogo transdisciplinar da história com as demais ciências sociais, humanas e artísticas proporciona uma leitura crítica das imagens construídas para fins específicos, como por exemplo, pelos meios de comunicação de massa. Da mesma forma podemos pensar o conjunto iconográfico produzido ao longo da história como um acervo documental, no seu sentido mais amplo, e portanto, também, passível de uma análise crítica. Quando apresentamos aos alunos a linguagem não-verbal em sala de aula, em algumas situações, se faz necessária uma “alfabetização do olhar”. Naturalmente refiro-me ao processo cognitivo crítico que envolve diferentes campos de estudos junto ao conhecimento de mundo dos alunos. Em nenhum momento defendo a utilização de cartilhas, métodos prontos ou teorias que não contemplam a subjetividade do olhar do aluno.

Até porque a proposta de trabalho das imagens como meio e mediação no ensino de História tem como objetivo principal uma aproximação das linguagens de cada disciplina tendo como referência um meio que é conhecido e sedutor: a imagem. Os jovens de hoje nasceram sob a civilização das imagens, o que pode nos parecer surpreendente e encantador para eles é absolutamente natural, o fácil manuseio com diversos suportes tecnológicos, tais como: programas de computador, videogames, máquinas fotográficas, aparelhos de celular, é parte do seu conhecimento de mundo. Portanto cabe ao professor de história, incorporar estes meios à realidade da sala de aula de modo que sejamos os mediadores entre os sistemas simbólicos construídos a partir destes meios, o conhecimento dos alunos e os conteúdos disciplinares.

O aspecto curioso é que os exames de vestibular das universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro tem utilizado cada vez mais a linguagem não-verbal junto à verbal nas questões das provas[1]. A partir desta percepção, em 2007, apresentei e desenvolvi o curso “As imagens como meio e mediação no ensino de História” ao Programa Pré-Universitário Oficina do Saber. Este programa é parte das atividades de Extensão da Universidade Federal Fluminense, em Niterói. A cada ano letivo, aproximadamente 120 alunos de baixa renda inscrevem-se no Pré-Vestibular Comunitário, mantido por ele. Ao ingressarem no curso, os alunos apresentam uma dificuldade bastante elevada na interpretação de um simples enunciado. A incompreensão do sentido semântico junto ao sentido figurativo da linguagem verbal representa para nós, professores, um muro a demolir, ou melhor, representa a necessidade premente de reformular as práticas de ensino-aprendizagem de modo que possamos construir junto aos alunos possíveis significações e relações entre conteúdos.

A princípio a proposta foi apresentar a linguagem simbólica, de forma que não representasse mais um obstáculo diante das dificuldades do processo cognitivo, mas como algo natural, presente no cotidiano e necessário ao processo intelectual, para isso, utilizamos em sala de aula imagens retiradas do repertório popular para análise, tais como, sinalização das ruas, carnaval, marcas comerciais, propagandas e outras, cujos elementos figurativos são conhecidos. Não nos interessa apresentar o campo teórico da semiótica aos jovens cujo interesse está direcionado ao entendimento das disciplinas necessárias para a realização dos concursos de vestibular; no entanto a presença de imagens junto aos textos tem sido um recurso cada vez mais utilizado na preparação destas provas.

Entretanto, o que nos interessa, realmente, é problematizar todas as imagens que nos cercam, como também a finalidade pela qual são produzidas, procurando deste modo, analisar toda imagem enquanto signo, ou enquanto traço pelo qual o olhar, ao significá-la, a transforma em signo. Para isso precisamos olhar para estas imagens enquanto documentos no processo de investigação histórica, porque as produções iconográficas não estão deslocadas do contexto sócio-político, econômico e cultural de cada lugar, mas essencialmente são representações destas estruturas.

Segundo o historiador francês Roger Chartier[2], a relação entre o objeto de pesquisa e a sua mediação se dá pelo meio social, já que ocorre uma circularidade cultural[3] em que as interpretações são variadas e dependem do referencial do receptor - mas não necessariamente de sua classe social – e a representação faz ver uma ausência, o que supõe uma distinção clara entre o que representa e o que é representado. Nesta ausência encontram-se os símbolos da mensagem construída e os possíveis significados interpretados pelo meio social. Esta relação de representação parte do principio da semiótica, no entanto avança para as significações caracterizadas pelos períodos históricos, ou seja, em cada momento e em cada grupo haverá uma interpretação diferenciada do sentido entre o signo e a coisa.


Notas

1 Considerando as provas dos vestibulares da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Estadual do RJ, nos anos de 2006 e 2007, é possível constatar o crescimento da utilização de imagens junto aos textos na interpretação das questões. Nesta análise não foram considerados os gráficos das disciplinas de química, física e biologia. As imagens analisadas são charges, fotografias, mapas e obras de arte. No ano de 2006, na 1° Etapa da UFF constavam 23 questões relacionadas a imagens dentre 75; no 1° Exame de Qualificação da UERJ constavam 8 questões dentre 60 e no 2° Exame de Qualificação da UERJ constavam 14 questões dentre 60. Já no ano de 2007, na 1ª Etapa da UFF, constavam 10 questões relacionadas a imagens, sendo que numa questão de português não havia texto e as alternativas eram interpretações de uma charge; em outra questão da mesma disciplina, nas alternativas de resposta não havia texto, apenas imagens como opções de resposta. Nas provas da UERJ deste ano, no 1° Exame constavam 12 questões dentre 60 e no 2° Exame constavam 14 dentre 60.

2 CHARTIER, Roger. O Mundo como Representação. In Revista de Estudos Avançados. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, volume 5, número 11, 1991, p 173-191. Utilizamos a conceituação elaborada por Chartier, segundo a qual toda a documentação é uma representação simbólica que vai buscar uma mediação com o receptor. O documento possui um valor para quem o produziu e outro para quem o recebeu. Nesta relação entre representação de algo e a recepção deste objeto é que ocorre o significado para a análise histórica.

3 O conceito de circularidade cultural, definido por Edward Thompson, refere-se a re-significação dos valores entre o popular e o erudito, sendo a cultura um campo de batalha de domínios e resistências onde diferentes grupos sociais costumam apropriar-se desses valores e reinterpretá-los de acordo com os seus interesses.


Referências bibliográficas:

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terça-feira, 16 de setembro de 2008

A imagem como representação simbólica do real*

A mais perversa exclusão social, sem sombra de dúvida, é a cultural, pois é aquela que nega ao indivíduo o direito à saída da caverna[1], e da mesma forma mantém os homens atados às correntes que os mantém presos. O mito da caverna, escrito no século VI a.C., é contemporâneo, não como uma narrativa filosófica que confere sentidos à realidade, mas como uma realidade alegórica, ou seja, revestida de imagem. Entre mito e realidade, há o espaço da mediação onde todos nós estamos envolvidos: professores, alunos, instituições, governo e sociedade. No entanto cada segmento social estabelece a mediação que convém de acordo com seus interesses e finalidades.

Na rede pública de ensino e mesmo na particular, ainda há uma resistência por parte dos professores de história na utilização de imagens como um meio e uma mediação entre os conteúdos disciplinares exigidos. O texto do livro didático e no máximo mapas são, praticamente, os únicos materiais trabalhados com os alunos dos níveis fundamental e médio. Já outros recursos como filmes e imagens são abordados pelos professores como meras ilustrações dos temas apresentados[2]. Talvez o problema esteja localizado no desconhecimento no campo teórico do estudo das imagens, já que nos currículos universitários dos cursos de licenciatura em História não existe nenhuma disciplina onde o estudo deste campo do saber seja ao menos abordado, com exceção de algumas raras disciplinas eletivas oferecidas eventualmente nas universidades por professores que pesquisam o tema. Desta forma os professores ingressam no magistério sem a devida formação para a leitura de imagens, ou pior não percebem que a imagem é um documento que deve ser interpretado com a mesma relevância que um texto.

No entanto, de forma até certo ponto contraditória nos Parâmetros Curriculares Nacionais de História para a educação básica, o uso de imagens em sala de aula é sugerido como um método didático no desenvolvimento de atividades com diferentes fontes de informação[3]. Assim o objetivo deste artigo é incentivar a reflexão de educadores e estudantes de licenciatura em História sobre a importância da leitura de imagens em sala de aula como uma mediação entre os saberes em direção a uma relação dialógica com o conhecimento, na qual se faz necessário um alfabetismo crítico em relação à mídia e de competências na leitura crítica de imagens.[4]

Se o tempo presente caracteriza-se por ser “a era das imagens” onde tudo o que é produzido é para ser visto e consumido, como não discutir o caráter das imagens em sala de aula? A dificuldade em definir o que é uma imagem passa pela naturalidade como encaramos qualquer representação cotidiana. É bastante comum associarmos imagem à mídia, tornando-a sinônimo de televisão e publicidade. Mas embora as duas linguagens tenham afinidades estéticas e interesses em comum, a publicidade está presente também em outros veículos, como jornais, revistas, rádio e paredes da cidade. A confusão entre as mídias é a conseqüência da não distinção do caráter da imagem, de acordo com o tipo, a função e os conteúdos específicos de cada suporte, além de existirem, ainda, imagens fixas e animadas, bem como outros meios de expressão visual como a fotografia, a pintura, o desenho e a gravura, dentre outras técnicas de representação.

Todas as mídias, hoje, apresentam as notícias sob a forma de imagens prontas a serem consumidas sem a devida reflexão, não se busca mais tornar politicamente inteligíveis uma situação ou um acontecimento, mas apenas mostrar sua imagem. Conhecer se reduz a ver ou, mais ainda, a “pegar no ar”, já que a mensagem da mídia é efêmera.[5] Desta forma o acontecimento é traduzido por uma imagem acrítica onde o objetivo é impor uma informação ao telespectador ao invés de estimulá-lo a pensar sobre o que se vê.
* Este trecho foi extraído do artigo Imagem: meio e mediação no ensino de História - A experiência do Programa “Oficina do Saber” da Universidade Federal Fluminense, de Veronica Castanheira Machado, publicado na Revista Tecnologia & Cultura, do CEFET/RJ, Ano 10 nº12, jan./jun.2008, p.51-57.


[1] Cf . PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret, 2004.

[2] BARROS, Ricardo. O uso de imagem nas aulas de história. Dissertação (Mestrado em Educação). São Paulo, PPGE/USP, 2007. Em sua pesquisa, Ricardo acompanhou professores de história da rede municipal de ensino em São Paulo durante um ano, procurando analisar a forma de utilização de imagens em sala de aula. Segundo sua observação, os docentes não se preocupam em analisar as imagens presentes no livro didático. Um aspecto curioso é o uso freqüente do verbo ilustrar nas falas dos professores quando questionados sobre a utilização de imagens; a maioria parece entender a imagem apenas como um apoio ao texto escrito.

[3] BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: História - Educação Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 1998, p. 77 - 89.

[4] KELLNER, Douglas. “Lendo imagens criticamente: em direção a uma pedagogia pós-moderna”. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.) Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995, p. 107.

[5] SALIBA, Elias Thomé. “Experiências e representações sociais: reflexões sobre o uso e o consumo das imagens”. In: BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2001, p.122.