terça-feira, 16 de setembro de 2008

A imagem como representação simbólica do real*

A mais perversa exclusão social, sem sombra de dúvida, é a cultural, pois é aquela que nega ao indivíduo o direito à saída da caverna[1], e da mesma forma mantém os homens atados às correntes que os mantém presos. O mito da caverna, escrito no século VI a.C., é contemporâneo, não como uma narrativa filosófica que confere sentidos à realidade, mas como uma realidade alegórica, ou seja, revestida de imagem. Entre mito e realidade, há o espaço da mediação onde todos nós estamos envolvidos: professores, alunos, instituições, governo e sociedade. No entanto cada segmento social estabelece a mediação que convém de acordo com seus interesses e finalidades.

Na rede pública de ensino e mesmo na particular, ainda há uma resistência por parte dos professores de história na utilização de imagens como um meio e uma mediação entre os conteúdos disciplinares exigidos. O texto do livro didático e no máximo mapas são, praticamente, os únicos materiais trabalhados com os alunos dos níveis fundamental e médio. Já outros recursos como filmes e imagens são abordados pelos professores como meras ilustrações dos temas apresentados[2]. Talvez o problema esteja localizado no desconhecimento no campo teórico do estudo das imagens, já que nos currículos universitários dos cursos de licenciatura em História não existe nenhuma disciplina onde o estudo deste campo do saber seja ao menos abordado, com exceção de algumas raras disciplinas eletivas oferecidas eventualmente nas universidades por professores que pesquisam o tema. Desta forma os professores ingressam no magistério sem a devida formação para a leitura de imagens, ou pior não percebem que a imagem é um documento que deve ser interpretado com a mesma relevância que um texto.

No entanto, de forma até certo ponto contraditória nos Parâmetros Curriculares Nacionais de História para a educação básica, o uso de imagens em sala de aula é sugerido como um método didático no desenvolvimento de atividades com diferentes fontes de informação[3]. Assim o objetivo deste artigo é incentivar a reflexão de educadores e estudantes de licenciatura em História sobre a importância da leitura de imagens em sala de aula como uma mediação entre os saberes em direção a uma relação dialógica com o conhecimento, na qual se faz necessário um alfabetismo crítico em relação à mídia e de competências na leitura crítica de imagens.[4]

Se o tempo presente caracteriza-se por ser “a era das imagens” onde tudo o que é produzido é para ser visto e consumido, como não discutir o caráter das imagens em sala de aula? A dificuldade em definir o que é uma imagem passa pela naturalidade como encaramos qualquer representação cotidiana. É bastante comum associarmos imagem à mídia, tornando-a sinônimo de televisão e publicidade. Mas embora as duas linguagens tenham afinidades estéticas e interesses em comum, a publicidade está presente também em outros veículos, como jornais, revistas, rádio e paredes da cidade. A confusão entre as mídias é a conseqüência da não distinção do caráter da imagem, de acordo com o tipo, a função e os conteúdos específicos de cada suporte, além de existirem, ainda, imagens fixas e animadas, bem como outros meios de expressão visual como a fotografia, a pintura, o desenho e a gravura, dentre outras técnicas de representação.

Todas as mídias, hoje, apresentam as notícias sob a forma de imagens prontas a serem consumidas sem a devida reflexão, não se busca mais tornar politicamente inteligíveis uma situação ou um acontecimento, mas apenas mostrar sua imagem. Conhecer se reduz a ver ou, mais ainda, a “pegar no ar”, já que a mensagem da mídia é efêmera.[5] Desta forma o acontecimento é traduzido por uma imagem acrítica onde o objetivo é impor uma informação ao telespectador ao invés de estimulá-lo a pensar sobre o que se vê.
* Este trecho foi extraído do artigo Imagem: meio e mediação no ensino de História - A experiência do Programa “Oficina do Saber” da Universidade Federal Fluminense, de Veronica Castanheira Machado, publicado na Revista Tecnologia & Cultura, do CEFET/RJ, Ano 10 nº12, jan./jun.2008, p.51-57.


[1] Cf . PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret, 2004.

[2] BARROS, Ricardo. O uso de imagem nas aulas de história. Dissertação (Mestrado em Educação). São Paulo, PPGE/USP, 2007. Em sua pesquisa, Ricardo acompanhou professores de história da rede municipal de ensino em São Paulo durante um ano, procurando analisar a forma de utilização de imagens em sala de aula. Segundo sua observação, os docentes não se preocupam em analisar as imagens presentes no livro didático. Um aspecto curioso é o uso freqüente do verbo ilustrar nas falas dos professores quando questionados sobre a utilização de imagens; a maioria parece entender a imagem apenas como um apoio ao texto escrito.

[3] BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: História - Educação Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 1998, p. 77 - 89.

[4] KELLNER, Douglas. “Lendo imagens criticamente: em direção a uma pedagogia pós-moderna”. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (Org.) Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995, p. 107.

[5] SALIBA, Elias Thomé. “Experiências e representações sociais: reflexões sobre o uso e o consumo das imagens”. In: BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2001, p.122.

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